☕ #71: América On-Chain 💿
Em 1998, a AOL respondeu por >50% dos CDs fabricados no planeta. Em 2023, cripto ainda não teve o seu "momento América Online".
30 anos atrás, pra entrar online, você precisava configurar um modem, digitar comandos obscuros, e esperar na linha telefônica.
Era tão complexo que a grande maioria das pessoas mal tinha ouvido falar na internet.
Até que CDs coloridos, como estes da foto abaixo, se espalharam feito vírus pelo planeta.
Você já deve ter tido um destes sobrando em casa.
De onde vieram? Como conquistaram o mundo? O que têm a nos ensinar?
Estes CDs foram ideia da CMO da America Online, Jan Brandt. Fã do marketing direto, ela achava inconcebível que uma pessoa não fosse abrir um presente bem embalado.
Os discos foram distribuídos em praias, metrôs e cruzamentos urbanos, tornando-se onipresentes entre 93 e 2006.
Alguns CDs chegavam pelo correio - o que é uma ironia do destino, já que a internet obsoletou as cartas de papel. Outros eram empacotados com fitas alugadas na Blockbuster. Muitos eram distribuídos por panfletistas.
Até então, a proposição de valor da internet não era clara para as grandes massas. A fricção impedia as pessoas de experimentarem, por exemplo, o correio eletrônico (e-mail).
A cada vez que fosse navegar, você precisava comprar horas de acesso de um provedor, e ainda pagar “pulsos” a uma operadora de telefonia.
Mas agora… bastava inserir aquele CD no computador, clicar em dois botões, e, automaticamente, uma interface brotava na sua tela ✨
📈 O Momento America Online
Muitos viam computadores pessoais como ferramentas de nicho, pra especialistas. A AOL enxergava-o, assim como a internet, como um produto de massa.
A visão da companhia era literalmente “to get America Online”.
E a estratégia era simplificar ao máximo o processo de “onboarding" de novos usuários.
Houve semanas em que mais de 50% da produção global de CDs tinha sido encomendada pela AOL. Foram 1 bilhão de CDs estampados entre 1993 e 2006, gerando mais de 30 milhões de clientes.
Pra efeito de comparação, em 1993, a internet inteira tinha menos de 15 milhões de pessoas online.
O sucesso dessa campanha da AOL foi definidor para o sucesso da própria rede mundial de computadores.
A AOL chegou a ter 26 milhões de assinantes, no começo dos anos 2000, mas declinou conforme a internet discada perdeu espaço para a de banda larga. Via Pew Research Center, Bloomberg
♻️ Como a Conta Fechava
A AOL reservava 10% do faturamento estimado por cliente (lifetime value, ou LTV) para marketing direto. O “tempo de vida médio” de um usuário pago era de 25 meses, com um LTV de U$ 350.
Mais ou menos U$ 35 podiam ser gastos para conquistar cada novo cliente.
A campanha dos CDs batia conversões de 10% em certas parcerias - como uma famosa com a Blockbuster. Mas costumava flutuar em torno de 3% de conversão.
Em 10 anos apostando nessa estratégia, a AOL saltou de 200 mil para 23 milhões de clientes nos Estados Unidos.
Do IPO, em 1992, à fusão com a Time Warner, em 2000, o valor de mercado disparou de U$ 70 milhões para U$ 150 bilhões.
Nessa perspectiva, os 300 milhões de dólares gastos em CDs foram um mero trocado.
A campanha dos CDs se pagava em um mês, e gerava 30x de retorno ao longo do ciclo de vida médio de um cliente (25 meses).
⛓️ Quando a América Vai Entrar On Chain?
Os CDs da AOL cumpriam uma função dupla: a de um cartão pré-pago; e também a de um “boot up” simplificado.
Em cripto, algo análogo seria uma carteira com “gas patrocinado”.
Um artefato físico, que você lê com o celular (ou insere no PC), que é uma wallet, e te deixa fazer 100 transações sem pagar nada.
Não me parece impossível que um unicórnio de cripto banque um experimento desses.
Os desafios são dois.
Primeiro: as empresas mais bem posicionadas pra financiar uma campanha dessas são as exchanges, que não têm incentivos para estimular a auto-custódia.
Segundo: qual seria o escopo de possibilidades oferecido ao usuário?
Os CDs da AOL tinham um leque bem definido pra comunicar a proposição de valor da internet: email, chat e um navegador.
Em cripto, esse “combo” ainda não foi descoberto.
Quanto tempo até cada protocolo/empresa conquistar 1 milhão de usuários-ativos-por-mês? Via Paradigma
A indústria já experimentou uma série de produtos físicos que tinham potencial de catalizar adoção.
Home miners, hardware wallets, displays para NFTs. Nenhum vendeu dezenas de milhões de unidades.
Os CDs da AOL levaram 30 milhões de pessoas a criarem seu primeiro endereço de e-mail.
Nenhum hardware cripto-nativo levou dezenas de milhões de pessoas a criarem seu primeiro endereço de criptomoedas, até hoje.
Talvez a adoção de cripto não passe por uma campanha tão conspícua, centralizada. E seja mais caótica e paulatina, mesmo.
Mas eu frequentemente me pergunto se, um dia, não inventaremos um artefato barato e memético que leve criptomoedas a terem o seu momento “América On-Chain”.
Algo que você possa entregar a alguém, e simplesmente dizer: “Ligue este aparelho, que você vai entender”.
🧠 Dicas de Leitura
🇺🇸 Crypto adoption in America (JP Koning)
Uma comparação entre várias pesquisas sugere que o número de norteamericanos que possui exposição financeira a cripto está na casa dos 10%.
💿 America Onchain: “You've Got Scale?” (Jonathan Glick)
Onde li pela primeira vez a comparação entre a adoção de cripto e a da internet, no contexto dos CDs da AOL.
👼 Hal Finney Was Not Satoshi Nakamoto (Jameson Lopp)
Evidências inéditas de que Hal Finney estaria correndo e atendendo a eventos nas mesmas horas em que Satoshi se comunicava por e-mail e transacionava BTC.