☕ #84: A Guilhotina de Triffin 🦳🪓
Entendendo as tarifas do Trump, e como o BTC pode salvar a América.
Uma América desindustrializada não produz o bastante para pagar pelo que consome.
Em vez disso, ela imprime dinheiro. E troca esse dinheiro por bens e serviços que vêm de fora.
Imprimir dinheiro é uma atividade com margem alta. Não é à toa que o americano médio come 2 vezes mais calorias que um venezuelano. Ou emite 2 vezes mais CO2 que o chinês típico.
Só que esse arranjo não dura pra sempre. Quando a confiança nesse dinheiro começa a ruir, o jogo muda. É preciso se reindustrializar o quanto antes.
Voltar a produzir, em solo americano, o aspirador Roomba, a TV ultrafina e os drones de última geração. Se não, o seu povo pode ficar sem acesso aos luxos aos quais se acostumou.
Este é o racional do Trump para impôr as tarifas que foram anunciadas anteontem.
📐 Quem Diabos é “Triffin”?
O noticiário financeiro, nos últimos dias, foi dominado por alusões a um tal de Triffin.
Agora, se isso fosse uma cena de “A Grande Aposta", Margot Robbie apareceria seminua, numa banheira, explicando:
O dilema de Triffin é um conceito que todo economista sabe de cor.
Você pode ter uma moeda que seja reserva de valor global… OU ser uma superpotência industrial. Mas não pode ambos ao mesmo tempo.
É o que os teoristas dos jogos chamariam de ‘um equilíbrio instável’. A estratégia vencedora não é estática. Tá sempre mudando.
Se você emite a moeda usada como reserva de valor global, tem o “privilégio exorbitante” de poder comprar, à preço de banana, coisas que o mundo produz. Mas esse privilégio tem um custo.
Sua moeda forte vai expulsar as fábricas pra onde tem mão de obra barata. Sua balança comercial vai viver em déficit, dado que você vai ter de importar muito do que consome.
Pra sustentar esse déficit, você vai precisar se endividar mais. E sua dívida vai crescer até o ponto em que passe a erodir a confiança na sua própria moeda.
🧨 A Lei de Ferguson
Não existe um limiar “formal” até o qual uma dívida soberana pode chegar. Não tem teto.
Mas o historiador Niall Ferguson sugere um ponto de inflexão. Segundo a “Lei de Ferguson”, quando o pagamento dos juros da dívida supera gastos com Defesa, um império não tem mais muito tempo de vida.
A ideia de um “gatilho objetivo” é sedutora. Mas a verdade é que ninguém sabe até onde os EUA podem se endividar.
Também não se trata de uma métrica isolada. É preciso considerar seu contexto.
Quem detém essa dívida? E pelo quê esses detentores poderiam trocá-la?
🦅 Como os Americanos Entraram Nessa?
Rebobinemos a história.
Depois da Segunda Guerra, os EUA emergiram como a potência industrial que reconstruiu o Velho Mundo. Um acordo em Bretton Woods colocou o dólar, até então lastreado em ouro, no centro do sistema financeiro global.
Nos anos 70, o império pivotou. Em 1971, o lastro em ouro foi abolido. Em 1974, o regime do petrodólar foi inaugurado. Com a ajuda dos sauditas, os EUA consolidaram a moeda como seu principal produto de exportação.
As cadeias de produção se deslocaram para o Oriente. A balança comercial virou deficitária. O débito externo disparou.
O mundo aprendeu a amar a liquidez dos títulos da dívida americana. E começou a erguer a maior pirâmide da Terra, desde Gizé. Funciona assim:
governos dão dinheiro para o Tio Sam. Em troca, ele dá um papel com a promessa de pagar de volta esse dinheiro, mais um pouquinho, daqui certo tempo.
Esse “mais um pouquinho” (os juros) nem vem ao caso. O importante aqui é a garantia de que os EUA vão dar esse dinheiro de volta, lá na frente, numa moeda que todo o resto do mundo aceita.
A real proposição de valor do negócio é essa segurança, derivada de um consenso social (a “crença no dólar”). É por conta dela que países continuaram comprando Treasuries mesmo quando os juros beiravam zero.
Acontece que “a crença no dólar” é reflexiva.
Quanto mais gente confia, mais gente tende a confiar. Por outro lado, quando Estados-Nação começam a desconfiar dele, o receio também se retroalimenta. E pode se espalhar como pólvora.
🎬 O Fim do Dinheiro como Conhecemos
Em fevereiro de 2022, a Rússia invadiu a Ucrânia. Nos meses seguintes, os Estados Unidos coordenaram o congelamento de ~U$ 300 B que os russos tinham em títulos de dívida ocidentais.
O dólar revelava sua verdadeira forma. Não era uma commodity neutra “lubrificando” os mercados mundo afora. Era uma arma de guerra.
Em abril de 2022, a China começou a reduzir rápido sua exposição à dívida americana.
Em maio de 2024, os pagamentos de juros sobre a dívida ultrapassaram os gastos com Defesa, no orçamento americano.
Em julho de 2024, Donald Trump prometeu criar uma Reserva Nacional de Bitcoin para mitigar a dívida americana.
🟠 Bitcoin: o Maior Trade da História
Os maiores detentores estrangeiros da dívida americana são Japão, China e Inglaterra. Para esse tipo de potência, até 15 anos atrás, não havia alternativa:
qualquer governante planejando o futuro do seu país precisava participar, de um jeito ou de outro, da pirâmide do dólar.
Hoje, ~60% das reservas internacionais são denominadas em dólar, ~20% em ouro, e menos de 0.01% estão em Bitcoin.
O Bitcoin deve ganhar relevância nesse mix, nas próximas décadas. Se você é leitor dessa newsletter, já sabe porquê.
Trump não lê a Café com Satoshi, mas percebeu a mesma coisa que você.
O moeda do império americano tem duas sucessoras possíveis: a da China, e a da Internet. Mr. Donald já expressou qual é a sua preferida.
O homem laranja mandou a família toda pras “trincheiras”. Deu carta branca até pros filhos brincarem de sh*tcoins.
Os Trump já lançaram coleção de NFTs, duas memecoins, fundaram uma mineradora, negociam participação numa exchange, e agora querem fazer uma própria stablecoin.
O presidente enxerga o BTC se valorizando mais centenas de vezes contra o dólar nas próximas décadas. Só assim a Reserva Nacional Estratégica pode de fato ter algum impacto na mitigação da dívida externa.
Trump chegou à conclusão de que a moeda mágica da internet vai emergir vitoriosa, do outro lado da “guilhotina de Griffin”, não importa o que acontecer com a América “depois da era do dólar”.
🦳 Pensando Como Donald Trump
Trump herdou um império em início de desintegração.
Sua administração terá sido bem sucedida, economicamente, se completar 3 objetivos: reduzir os juros, reindustrializar a América, e renovar a esperança dos credores do dólar.
📉 Reduzir os juros
Trump tem UMA grande meta econômica pra 2025. Sua equipe já declarou explicitamente, várias vezes. Reduzir os juros de longo prazo.
É bom pro presidente, que tem a maior parte da sua fortuna em imóveis (cujo preço é extremamente sensível a essa taxa). Mas, mais do que isso, é vital pro país.
Os EUA precisarão refinanciar três quartos da sua dívida durante o atual mandato presidencial.
Deixa eu refrasear isso, porque é importante. Os EUA devem ~36 trilhões de dólares. 28 trilhões são de dívidas que vencem nos próximos 4 anos. Para pagar essas dívidas, os EUA terão de pegar mais dinheiro emprestado - “refinanciar”.
Só que a taxa média de juros da dívida, hoje, é de 3.3%. Enquanto os juros atuais estão acima de 4% 😳
Ou seja: o peso da dívida no orçamento americano vai aumentar significativamente, a não ser que a taxa despenque - e logo!
O racional de Trump é o seguinte: tarifas aumentam a arrecadação. São complementadas pelos cortes de custos do DOGE. O mercado de crédito tem comprado a narrativa da melhora fiscal - os juros de 10 anos estão caindo. No curto prazo, a implementação abrupta das tarifas derruba os mercados domésticos, piora os indicadores econômicos de crescimento, e cria contexto para que o FED reduza juros.
Trump tem ~1 ano de maioria nas duas casas, antes das eleições parlamentares de meio de mandato, nos EUA. Até lá, pode “dar de ombros” para o pânico nos mercados.
🏭 Reindustrializar a América
As tarifas protegem a indústria nacional, tornando o mercado doméstico mais competitivo.
É uma questão de sobrevivência econômica, mas também de segurança nacional.
Algumas munições-chave para o exército americano, hoje, demoram mais de 2 anos desde que são encomendadas até serem entregues.
O Tio Sam não quer mais depender da China para fabricar seus eletroeletrônicos - ainda mais com a iminência das superinteligências artificiais e a corrida por cada vez mais recursos computacionais.
O CHIPS ACT, do governo Biden, pronunciou essa guinada rumo à reindustrialização (“onshoring”). A TSMC recebeu subsídios para instalar plantas fabris no Arizona, diversificando o risco na cadeia de produção de semicondutores para fora do Taiwan.
🤞 Preservar o Dólar Para “Salvar o País”
Juros menores não bastam para “consertar” a dívida americana. É preciso que novos credores se disponham a comprar os títulos emitidos pelo Tesouro.
Esses credores precisam de razões pra acreditar que, um dia, essa dívida vai ser paga.
A história mais crível, hoje, é a do Bitcoin:
Trump planeja comprar U$ 100-200 bilhões em BTC; catalisar a transição para um novo padrão monetário; e, se o ativo superar a capitalização do ouro em algumas vezes, quitar boa parte da dívida soberana com essas moedas da internet.
Como se “passasse o bastão” graciosamente para a próxima reserva de valor global, e oferecesse justificativa para os credores do Tio Sam continuarem sustentando o dólar pelas próximas décadas.
É uma estratégia arriscada e controversa. Mas, se o homem laranja não empreitá-la, governantes em outros cantos o farão. Assim, pelo menos, Trump tem a chance de controlar o “declínio do dólar”, e evitar que ele colapse durante a transição.
🐇💭 O Que Significa a Derrocada do Dólar?
Uma desdolarização global reduz o “mercado endereçável” do dólar de ~7 bilhões para 350 milhões de pessoas. É 95% menos gente para absorver a inflação monetária.
É hora do império se recolher, e consolidar suas conquistas.
O “novo normal” não deve demorar a se consolidar. O Brasil, até agora, sai por cima da situação. Numa chuva de p*ca, levamos só uma dedada.
Talvez nem percebamos muita mudança. Duvido que você note quando etiquetas “Made in China” forem substituídas por outras “Made in Argentina”.
Muitos já me perguntaram: e se a América abrisse mão completamente do dólar?
Se aderisse a uma ideia como o Bancor de John Keynes? Ou às unidades de conta virtuais propostas pelo próprio Triffin?
Não me parece rota de ação defensável. Balaji Srinivasan sugere que perder o dólar provavelmente significa perder o país.
Esquerda e direita não têm mais nada em comum, além da união econômica.
SÓ 4% dos CASAMENTOS nos EUA são ENTRE democratas e republicanos. Não tem mistura.
Eles não votam igual, não consomem as mesmas notícias, não usam as mesmas redes sociais, e mal se misturam geneticamente.
A única coisa que ainda fazem é comerciar entre si.
Se o império ruir, essas tribos não vão se juntar pra reconstruir... vão é culpar uma à outra!
E aí, o que vem depois, é uma grande incógnita.
Pode-se ter um cenário como o da Europa Oriental pós-Iugoslávia, em que “países separados” recomeçam “do zero”.
Pode-se ter um cenário como o da Índia e o do Paquistão, onde dois soberanos mantém uma fronteira em eterno conflito.
Pode-se ter um cenário tipo Mad Max, com a formação de unidades menores, mais localizadas, de poder.
Ou pode ser que, ironicamente, a união em torno do Bitcoin acabe ajudando a salvar a América.
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