☕ Café com Satoshi #33: Tem Sentido Essa Discórdia Toda? 🌶️
2016 foi tachado por muitos como “O Pior Ano da História”, mas não demorou até perder o título.
Ainda longe do fim, 2020 já entregou queimadas históricas, o Coronavírus e protestos violentos contra ou a favor qualquer tipo de medida governamental “temporária”.
Além disso, a anexação de Hong Kong pela China. Uma escalada inédita na normalização das violações de privacidade. Um suicídio high-profile que expôs círculos de tráfico humano por baixo de Washington e Hollywood. Uma guerra de classes furiosa e re-escritora de Histórias.
🥊 Por Que Nós Estamos Brigando Tanto?
Você já deve ter assistido a O Dilema das Redes, na Netflix. Andamos briguentos porque a internet nos reprogramou assim.
Viés de confirmação. Antagonismo como estratégia de engajamento. Click-baits.
É esta a explicação. Não…?
Sim e não.
A tecnologia reverteu categoricamente o equilíbrio de poder entre o público e as elites que gerem as instituições hierárquicas da era industrial - governos, partidos, a mídia e órgãos supranacionais.
O tecido midiático nos estimula instintos específicos. Mas não os cria. É algo dentro de nós que impele esse estado de emergência contínua e hiper-polarização.
Não é só sobre cloroquiners e quarenteners. Esquerda e direita. Ou construtores e destrutores.
Atravessamos uma rota de choque irreversível entre visões de mundo diametralmente distintas. Irreconciliáveis.
🗺️ O Estado-Nação é Novo
“Países” são um fenômeno recente, com menos de um milênio completo. Operam como sindicatos bélicos. Grupos de pessoas que se unem pra defender direitos de propriedade sobre aquilo que consideram sob sua soberania.
Quem não quer se envolver nas forças armadas ou na “máquina pública” paga uma taxa sobre basicamente tudo, de modo que terceiros são financiados para fazê-lo.
Terra sempre esteve no topo da lista de prioridades a serem defendidas. De fato, eras atrás, a ideia de propriedade se referia quase que exclusivamente à terra.
Com o tempo, o conceito se expandiu. Começou-se a designar e rastrear a posse de coisas abstratas, como direitos autorais e ideias.
Por mais que o propósito de um país seja intuitivo de apreender, a natureza da propriedade privada nunca foi tão consensual assim.
O debate sobre seu significado moral remete às raízes da filosofia ocidental.
Platão era contra a propriedade privada na maioria de suas manifestações, incluindo a guarda de crianças. Via a propriedade como uma força corrupta que alimenta inveja e violência.
Aristóteles, seu aluno, discordava. Rejeitou o argumento de que um sistema de propriedade comum eliminaria os vícios, já que as pessoas são incentivadas a trabalhar duro apenas por coisas que são realmente delas.
Você pode pensar que Ari se saiu vencedor nesse embate. Afinal, a história mostra que países ruins em proteger as posses de seus habitantes foram engolidos por impérios vizinhos.
Mas a verdade não é tão preto no branco. A dissonância platônica-aristotélica persiste. Ecoa nas nossas cabeças e nos cantos das nossas instituições.
Um exemplo em que se manifesta é o inciso XXIII do artigo 5º da Constituição: a propriedade privada deve ser protegida, contanto que cumpra com uma função social… caso contrário, pode ser tomada, em nome do “bem comum”.
💥 A Origem da Discórdia
Diz o ditado que felicidade é a diferença entre o que se tem e o que se esperava. A ideia tocquevilleana de que revoluções sociais são forjadas pela inflação das aspirações. Aquele meme da “expectativa versus realidade”.
A expectativa irrealizável que acabou por cindir a sociedade em campos diametralmente opostos tem origem no evento fundador da República. E sua tentativa de reorganizar relações em torno da ideologia de Liberdade, Igualdade, Fraternidade.
Piketty enfatiza o novo regime de propriedade inaugurado pela Revolução Francesa. Um no qual as posses não eram mais privilégio da nobreza e do clero, mas, abstraídas, tornaram-se acessíveis a qualquer um.
A “sociedade da posse” enfrentaria suas próprias crises (duas guerras mundiais e uma depressão), até culminar com um dos períodos mais igualitários da história moderna: a era do welfare state.
Aí veio meio século de vetores tecno-sociais que reajustaram o zeitgeist para mirar o indivíduo, em seguida a um período prolongado de foco no coletivo.
A globalização, a queda do muro, o computador pessoal, a internet e o Bitcoin.
O insight central deste trem de pensamento é:
Você sempre achou que Liberdade, Igualdade, Fraternidade fosse um lema. Enquanto, de fato, trata-se de um TRI-lema.
Dá pra ter 2 ao mesmo tempo. Mas não 3.
Liberdade e igualdade são forças antagônicas. Ainda não descobrimos um sistema de regras capaz de maximizar ambas. Progredir em uma das duas frentes custa retrocesso na outra. A estabilidade está sempre a um sacrifício a mais de distância.
Existe um espectro, é claro. O trade-off não é binário - e nós o exploramos a muito tempo.
Mas falhar em reconhecer a dicotomia nos torna incapazes de empatizar com o outro.
Para qual dos 2 atributos o SEU compasso moral otimiza? Liberdade OU igualdade?
Não existe resposta certa. Mas é certo que respostas diferentes esbarrarão em incompatibilidades (acerca de qualquer assunto "sensível” pautado pela grande mídia - faça o teste com pessoas próximas).
É útil para a classe política que o dilema seja obscurecido: assim você se mantém entretido em “tentar equilibrar a balança", de 4 em 4 anos.
Supere a ilusão de imutabilidade. O arranjo atual não é inevitável.
É claro que tudo leva tempo pra acontecer. Mas países são um fenômeno recente. Moedas fiduciárias mal chegaram à terceira idade. O sufrágio universal é um conceito ainda em fase de roll-out, do ponto de vista histórico.
Ninguém tem a menor ideia do quê, como e por quê vai funcionar - como “cola social” pra essa nossa aldeia global cada vez mais fragmentada.
🔭 Um Futuro Preferível
O estado-nação moderno é um mecanismo de coordenação social defasado — e convulsionando de dentro pra fora.
Não foi feito para acatar as aspirações heroicas do cyber-cidadão.
Nenhum político, por mais eloquente, vai outorgar almas vazias de significado. Nenhum governo, por mais benevolente, vai validar a sua identidade. Nenhum pacote de estímulo vai nutrir a sua auto-soberania.
Estes são anseios espirituais — melhores sanados pela fé do que por qualquer outra instituição.
As pessoas que vos escrevem não são pessimistas. Muito pelo contrário.
A premissa por trás de ficções científicas distópicas (e.g. Black Mirror) é a de que o presente é OK, mas a tecnologia pode estar nos levando a um futuro indesejável.
Questionar essa premissa gera um ponto de vista alternativo: e se o presente já é distópico o bastante, e a tecnologia representa justamente esperanças por futuros melhores?
Se você pensa deste jeito, vai gostar de ler a versão estendida dessa tese, apresentada aqui 👉 LINK 🔗
📚 Dicas de Leitura
➡ 🦄 Crypto, Truth & Power (Erik / CryptoSovereignty)
Um ensaio inspirado em Foucault, a partir da hipótese de que o Bitcoin é um ativo militar - o valor bélico dos ativos criptográficos e sua natureza não-física existem a priori de seu valor econômico.
➡ 🤹 The Crypto-State? (Bruno Maçães)
Como Bitcoin, Ethereum e outras tecnologias podem pavimentam o caminho para novos sistemas de governança globais.
➡ ✊ Intolerant Zeal (Sixteen Hodler)
Uma genealogia bizarra e extremamente original das fés em torno das maiores criptomoedas - com foco no ZCash.
➡ 🗳️ Who Is Right About Election Polls? (Edward Yu)
Uma comparação relativamente neutra entre as visões de Taleb e Nate Silver acerca de forecasts eleitorais.
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