☕ Café com Satoshi #36: ☕ Café com Satoshi #36: o Que a Blockchain Fez Com o Aquecimento Global? 🔋
A crítica de que blockchains “desperdiçam energia" não é nova.
Muita gente já profetizou que sugariam toda a eletricidade do planeta.
Faz sentido pensar assim? O que é verdade... e o que é falácia?
🔭 Colocando as Coisas em Perspectiva
Manchetes apocalípticas ecoam alertas dos anos 90 sobre o apetite da internet. Em 1999, a Forbes previu que “[...] metade da rede elétrica se dedicaria à economia virtual na próxima década”.
Primeiro, 2 fatos:
a rede do Bitcoin usa, hoje, <0.5% da energia consumida globalmente.
O Bitcoin é responsável por 10-20 Mt de emissões de CO2 por ano. Isto representa 0.03-0.06% do volume global anual.
Agora, eis alguns ângulos para dar cor a estes fatos:
“A rede do Bitcoin consome mais energia que toda população da Suíça”;
“Todos - exceto 3 - países da África consomem menos energia que o BTC”.
“Seriam necessárias 7 usinas nucleares dedicadas pra manter a rede”.
Percebe como são os pontos de vista, e não os fatos em si, que assustam os desavisados quanto ao potencial apocalíptico da mineração de Bitcoin? 🤔
⚡ Os Impactos Energéticos de Segunda Ordem
O principal impacto do florescimento do Bitcoin, na indústria da energia, é a fungibilização da eletricidade.
Isto é: tornar energia uma commodity que pode ser valorada do mesmo jeito em qualquer lugar do planeta.
Hoje, um Terawatt/h produzido na periferia de uma metrópole vale mais do que um Tw/h gerado nos confins da Groenlândia - a começar pelos custos de transporte. Em muitos lugares, por mais que haja energia, não é viável extraí-la por conta da logística.
Não é só a eletricidade que “desperdiçamos” por conta da infungibilidade. Outras formas de energia potencial também.
Uma refinaria de gás natural inevitavelmente gera subprodutos (ex: metano). No mundo ideal, cada grama de energia potencial seria vendida para o mercado. No mundo real, “restos” gasosos do petróleo (e do próprio gás natural) são vazados no ar (o que é criminoso em muitos lugares), ou simplesmente incinerados. Lembra daquela fileira horrível de chaminés que você vê quando passa por Cubatão?
Apesar de praticamente qualquer resíduo do gênero conter potencial energético, não é economicamente viável embalar e transportar esses gases. Serão queimados — a não ser que pudessem ser consumidos on-site (lucrativamente, para a refinaria).
🎒 A Criptomoeda como Bateria Virtual
O Bitcoin não só é majoritariamente suportado (~75%) por fontes renováveis, como também acelera a transição da sociedade para formas de geração de energia limpa.
Um problema das fontes renováveis é que têm output variável. A produção de usinas eólicas e solares é pouco previsível. Às vezes sobra. Às vezes falta.
Durante períodos de sobrecarga, fornecedoras podem pagar seus consumidores que escolherem economizar. É uma forma de arbitragem energética —”comprar” energia dos usuários finais de volta para o grid.
Fornecedoras também podem reagir aumentando a oferta. Os dois jeitos mais comuns de fazê-lo são (1) usando baterias eletroquímicas (que ficam carregando quando a demanda está sob controle) e (2) queimando combustíveis fósseis para produzir a diferença.
O primeiro é caro e exige um longo período para recuperar o investimento inicial.
O segundo é menos custoso. Mas significa que, quanto mais fontes renováveis forem adotadas, mais dependeremos de “energia suja” para manter o grid equilibrado — vai contra o propósito do negócio, em primeiro lugar.
Aí entra o Bitcoin.
No Canadá, a Upstream instala contêineres que canalizam energia de resíduos do refino de petróleo para a mineração de BTC. Nos EUA, a Crusoe Systems faz parecido. Ambos os países limitam a quantia de gás que pode ser queimada anualmente por refinaria, o que efetivamente lhes impõe um gargalo na produção.
Essas soluções permitem a refinarias instalar mais capacidade, dar mais lucro, e não desperdiçar nem um grama de energia “excedente”, com a bateria virtual que é o BTC.
No resto do mundo, há empresas concebendo aplicações parecidas em todo tipo de usina elétrica imaginável: hidrelétricas, geotérmicas e até… nucleares.
Não seria surpreendente, inclusive, se a criptomoeda acabar sendo a gota d’água para que a fusão nuclear se torne comercialmente viável.
🌌 A Escala de Kardashev
O sucesso do Bitcoin inevitavelmente significa uma demanda exponencial por energia.
É leviano demonizar esta constatação.
O sucesso da humanidade, até hoje, foi correlacionado com a mesma tendência.
A Escala de Kardashev é um método para medir o grau de desenvolvimento tecnológico de uma civilização. Proposto pelo astrofísico soviético Nikolai Kardashev, classifica sociedades pela quantidade de energia que são capazes de processar.
Uma civilização do “Tipo 1” seria capaz de aproveitar toda a energia potencial de um planeta. Terráqueos chegarão lá quando conseguirem catalizar a energia dos vulcões, tempestades e placas tectônicas.
Uma civilização do “Tipo 2” conseguiria aproveitar toda a energia potencial de uma estrela - drenando hidrogênio de gigantes gasosas e movendo as órbitas dos planetas. Este estágio é ilustrado pela ideia famosa da Esfera de Dyson.
Uma civilização do “Tipo 3” seria capaz de aproveitar toda a energia potencial de uma galáxia. Fundir estrelas, processar a energia de supernovas - um império interestelar.
Tais fases são puramente hipotéticas - a Escala é hoje um instrumento de pesquisadores e ficcionistas. O próprio Nikolai não imaginou estágios subsequentes.
Mas seus pupilos o fizeram: os próximos níveis teóricos são aqueles em que civilizações passam a (4) especular manipulações no espaço-tempo, (5) navegar entre multiversos e (6) ser capazes de criar os seus próprios.
👀 Enxergou um caráter divino nessa última fase? Não se assuste - a ideia é essa.
☄️ Mineração, Asteroides e Alienígenas
Você pode blasfemar bitcoiners pelo excesso de otimismo - mas não dá pra falar que são pouco imaginativos.
Já existe todo um cânone literário sobre a possibilidade do uso do BTC no espaço.
O fascínio pelas estrelas está no DNA do projeto. Muitos bitcoiners conheceram a moeda porque, à época, doavam ciclos computacionais para uma rede distribuída que vasculha sinais de rádio em busca de civilizações extraterrestres (SETI).
Da próxima vez que você escutar um fanático Nakamotiano especulando sobre as nuances da cripto-economia em Marte, terá duas escolhas:
Tachá-lo de louco;
Considerar: a premissa do discurso, no fundo… não faz algum sentido?
👽 Dos Extropians aos Cypherpunks
O Bitcoin é tanto tecnologia quanto fantasia sobre a tecnologia.
Esta NÃO é a história de uma nova rede social. Ou da reinvenção dos bancos.
Existe toda uma subcultura - explicitamente utópica - centrada na ideia de que esta é uma história sobre sonhos se digladiando na arena do mercado; numa bagunça caótica que depois chamamos de evolução.
Essa narrativa tecno-utopista tem mais de quatro décadas.
Os Extropians eram um grupo de artistas, filósofos e tecnologistas 100% comprometidos com o progresso. Nos anos 80, instituíram uma doutrina de auto-transformação inspirada nos futuros que a computação vinha iluminando. Pregavam a liberdade irrestrita e a experimentação ilimitada - com extravagante confiança no prospecto humano.
Dentre as ideias que discutiam, uma das principais envolvia estruturas financeiras perenes e apolíticas - capazes de carregar valor no tempo depois que uma pessoa morresse, e até quando, eventualmente, fosse revivida.
Phillip Salin, fundador da American Information Exchange, projetava formas de capital que pudessem sobreviver à sua própria partida.
Tim May, pioneiro dos mercados negros de informação, considerava-se imortalista: queria investir em pesquisa biológica experimental focada na extensão da vida. Criar sistemas financeiros que pudessem financiar “sua própria ressurreição”, quando chegasse a hora; num futuro pós-nacional, e, quiçá, até pós-humano.
Sim, os Extropians acreditavam em vida após a morte. Não aquela do tipo religioso. Mas aquela da criônica - o congelamento de corpos em solução de nitrogênio líquido - e da medicina ultra-avançada.
Vários dos Extropians fundaram, mais ou menos no mesmo período, o grupo informal dos Cypherpunks. E participariam, a partir da década de 90, da lista de e-mail na qual foi originalmente divulgado o whitepaper e código do Bitcoin.
Entre eles, Tim May, Ralph Merkle, Max More (presidente da Alcor - instituto de criônica - e amigo pessoal da família Finney); Hal Finney (que hoje está criogenado)…
Pense você: se com todas essas influências, o criador do Bitcoin escolheu subsidiar a mineração até 2140… é porque ele tinha algumas ideias sobre o quê poderia acontecer entre o lançamento da rede, e esta data.
Uma hipótese é: Satoshi veio do futuro. E plantou aqui a semente que levaria nossa sociedade a construir o mundo que “ele viu do lado de lá”.
Se você já assistiu Dark (Netflix) ou leu sobre o Paradoxo de Bootstrap, o construto vai te soar familiar.
Não espero que você leve a ideia a sério, de cara. Mas duvido que você nunca mais volte a pensar nela.
A mera desconfiança basta. Pra que a história seja mais “verdadeira” hoje… do que era ontem 🤗
📚 Dicas de Leitura
➡ 👼 An Overwhelming Task (Sergio Lerner)
Um encontro casual de Sergio Lerner com Satoshi Nakamoto. Lê-se como um conto de Jorge L. Borges. Ganha outra dimensão quando se considera o papel que Sergio teve no imbróglio do tamanho dos blocos em 2017.
➡ ⚰️ The Bitcoiners Who Want to Defeat Death (Julia Herbst)
Uma análise sobre como o mercado de criptomoedas vem financiando pesquisa e desenvolvimento voltados para a extensão da vida. Inclui conversas com filantropos bilionários e cripto-personalidades influentes em ambos os mundos.
➡ ❄️ Information-Theoretic Death (Ralph Merkle)
O papa da criptografia e tataravô do Bitcoin destila a filosofia que o torna otimista em relação à criônica.